Nos bastidores de Ruanda

Docente esteve durante 11 dias no País das Mil Colinas

Ellen Santini

25/04/2019

A professora do curso de Direito da Toledo Prudente Centro Universitário, Ligia Maria Lario Fructuozo acaba de chegar de Ruanda.
 
A docente conta que visitou o país africano com objetivo de realizar pesquisas aprofundadas sobre o genocídio bem como a forma que o país se reconstruiu após o ocorrido.
 
Genocídio: Em apenas cem dias em 1994, mais de um milhão de pessoas foram massacradas em Ruanda por extremistas étnicos hutus. Eles vitimaram membros da comunidade minoritária tutsi, assim como seus adversários políticos, independentemente da sua origem étnica.
 
Ligia enfatiza que desde a graduação, busca por informações e detalhes sobre o ocorrido.
 
 
“Na minha pós-graduação não foi diferente e agora, em meados do mestrado, resolvi ampliar a minha pesquisa indo para o País”, comenta.
 
 
Confira a entrevista realizada pela assessoria de comunicação com a docente da Toledo Prudente
 
Quanto tempo durou a sua viagem?
Fiquei 14 dias fora do Brasil, mas apenas para chegar até Ruanda, entre voos e espera de conexões, foram quase 40 horas. Especificamente em Ruanda tive o prazer de passar 11 dias.
 
Já em Ruanda, quantas cidades/regiões conheceu?
Neste período, estive em 4 diferentes regiões, Kigali, Butare, Kibuye e Gisenyi em busca de museus, memoriais, além de pessoas que pudessem me dar informações relacionadas ao genocídio. Consegui inclusive visitar mais locais do que eu esperava, tudo isso graças a pessoas que fui conhecendo no decorrer da viagem e que foram me dando dicas importantíssimas.
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Como é possível, em sua opinião, descrever a população ruandesa?
São todos muito abertos a ajudar, porém, uma característica bastante importante que percebi é que todos, sem exceção, possuem histórias tristes para contar sobre o genocídio. 
E mesmo as pessoas mais novas, que não acompanharam o ocorrido em meados de 1994, todas possuem informações sobre parentes que faleceram durante a tragédia. Com certeza, isso foi um marco para a população local.
Porém, as pessoas são muito unidas, por exemplo todo último sábado do mês, todos eles se reúnem em comunidade com objetivo de promover a limpeza dos locais públicos e privados, além de promover melhorias para o bem comum. Esse trabalho se chama Umuganda.
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Como foi para você estar em busca de informações sobre a tragédia no país?
Com certeza, o assunto em Ruanda ainda é um tabu. A população é sempre muito desconfiada e o governo, realiza constantemente campanhas e atividades para promover a lembrança do ocorrido mas também se certificar que ele nunca mais volte a ocorrer. Uma delas chama-se ‘Never Again’, traduzindo para o português se dá “Nunca Novamente”. Quando eu perguntava sobre os traços do genocídio em grupos de pessoas, quase sempre o mesmo não evoluía, pois as pessoas sentiam-se desconfortáveis de abordá-lo próximo de outras pessoas. Já no particular, elas quase sempre eram mais abertas, porém, sempre verificavam se no momento da conversa tinha alguém por perto ou prestando atenção no assunto em que falávamos. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Em algum momento, durante a busca de fatos, sentiu-se constrangida ou impedida de ir mais além?
Um dos momentos mais marcantes com certeza se deu durante a visita a um dos memorais, quando um fotógrafo alemão que estava em nosso grupo tirou muitas fotos do local e posteriormente, houve uma confusão em torno dessas fotos. As autoridades locais afirmavam que para fotografar nos memoriais, toda e qualquer pessoa deveria solicitar uma autorização prévia e com isso, toda uma situação conflituosa se desenvolveu, chegando até a envolver a embaixada alemã com o objetivo de impedir que o fotógrafo tivesse que excluir as imagens já feitas. Mas, ao final, tudo deu certo e o fotógrafo inclusive nos pagou um jantar como forma de agradecimento e companheirismo.
 
Você mencionou que foi possível conhecer mais locais do que imaginou, graças a pessoas que você conheceu no decorrer das atividades. Fale um pouco sobre elas.
Nos primeiros dias, o pessoal do meu hotel pediu um taxi para que eu pudesse me deslocar e assim, após muita conversa, enfatizei o motivo da minha ida a Ruanda e quais os locais eu pretendia chegar. O taxista Basil Banza me indicou que uma das regiões que eu iria, ele poderia me levar, pois sua família residia nas proximidades. E então, assim foi possível não apenas ter uma companhia para esse trajeto, mas inclusive foi possível conhecer a sua família, que como outras, possuem marcas trágicas do genocídio. 
Sua mãe, cerca de 80 anos, uma senhora bastante atenciosa e sua irmã, que perdeu três filhos e o marido na tragédia, me receberam com muito carinho. Ambas residem atualmente em uma área rural e de difícil acesso.
Em meio a diversos guias turísticos que conheci em Ruanda, o Claude foi outro muito bacana comigo. Ele é o capitão de um barco que realiza viagens nas proximidades, inclusive é formado em História. 
No geral, agradeço a todas as pessoas que de uma forma ou outro me ajudaram e muito nesse processo de encontrar os locais que buscava e as informações que tanto precisava. Inclusive a Diane e ao Dave, amigos de Kigali.
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Durante a viagem, o que mais te impressionou?
Eu acreditava que as visitas aos museus e memoriais seria a parte mais impactante do meu roteiro. Porém, como eu estudo isso já algum tempo e por meio da internet atualmente a gente obtém uma série de dados, então durante a visita nestes locais, eu já imaginava o que iria encontrar. Mas, a partir daí, o que mais me impressionou foi de ter a oportunidade de conversar com muitas pessoas, até mesmo em locais públicos e cada uma delas, ter uma particularidade, uma história para contar e uma tristeza para relembrar acerca do genocídio. Todas as pessoas em Ruanda, sem exceção, tem uma história sobre o genocídio pra contar. Isso, particularmente para mim, foi algo impressionante.
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
E essas pessoas, falaram claramente sobre a morte de seus entes queridos?
Sim, seja devido à perda de um amigo ou de um familiar ou mesmo de alguém próximo, muitos sabem exatamente o que ocorreu, porém, outros, devido ao caos na época, não tiveram a oportunidade sequer de fazer o devido sepultamento de seus corpos. Na hora dos ataques, eles relatam muita correria e a tentativa de se salvar a qualquer custo.
Mas nem sempre funcionava. A coisa é tão intrigante que até hoje, durante as escavações, são encontrados corpos enterrados sem identificação. Naquela época, relatos históricos apontavam que o genocídio fez mais de 800 mil vítimas em Ruanda. Com o passar do tempo, muitos outros corpos foram sendo encontrados e pessoas desaparecidas, hoje, essa conta fica no mínimo em mais de 1 milhão de pessoas que perderam a vida.
 
 
Como você pode descrever Ruanda com seu clima, gastronomia e particularidades?
Uma coisa muito interessante é que em Ruanda chove muito nesta época e em um dia, é possível termos todas as sensações das estações do ano em apenas 24 horas.
Em relação a gastronomia, provei muitos pratos típicos como a bruchette, samossa e chapatti, mas de uma forma geral, eles consomem muitos alimentos que os brasileiros gostam, como carne, banana, arroz, feijão, mandioca, milho e batata. Mas o que muda, de um prato de lá para o brasileiro, é a forma como os ingredientes são colocados no prato, como por exemplo, o feijão não tem tanto caldo como o do brasileiro, a banana é sempre feita empanada, ensopada e até feito purê, que tive a oportunidade de provar e é muito bom.
Em relação as frutas, senti diferença na baixa acidez e no sabor, pois a maioria das opções lá são menos doces que as plantadas no Brasil.
A cultura local mostrou que a população não está acostumada a ter contato com pessoas de pele clara e de outras nacionalidades. Inclusive, eles atribuem o nome de ‘Muzungo’ para as pessoas que possuem tonalidade diferente da que eles estão acostumados.
Algo muito bacana que percebi é que são disponibilizadas muitas escolas para seus moradores. Com isso, o governo aposta na educação como o futuro do país e claro, faz com que a população não tenha que se deslocar com muita dificuldade para que seus filhos tenham acesso a uma boa educação.
 
 
O que te agregou essa viagem e ficou alguma nova expectativa?
Ao mesmo tempo que muitas perguntas foram respondidas, novas perguntas surgiram. Então, a intenção é que essa minha viagem fosse o primeiro contato pessoal e físico com Ruanda. Por isso, em breve, pretendo voltar à Ruanda para ficar um tempo maior e claro, estender também os meus conheciment
os. Espero voltar em breve, rever os amigos que estão por lá e com certeza, responder as perguntas que foram oriundas dessa primeira experiência.
 
 
Fotos: Luiza Boguszweski